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10 de junho de 2013

Quem mofa é queijo

Com direito a câmera escondida em programa de tevê, a bomba da semana passada na França foi a revelação de que grande parte dos restaurantes de Paris serve pratos industrializados e congelados, apenas colocando no micro-ondas após o pedido do incauto freguês.

Para uma gastronomia que é considerada patrimônio imaterial da humanidade pela Unesco, não é exatamente uma boa notícia.

É claro que não estamos falando dos restaurantes parisienses famosos e estrelados, mas esses representam minoria no cenário.

Garçons de áreas turísticas como Montmartre, sem saber que eram filmados, admitiram trabalhar com pratos prontos e industrializados, e fiquei pensando se aquela sopa de cebola invernal que degustei na linda praça não teria saído de um pacote Knorr.

Menosprezando a clientela estrangeira na cidade mais procurada por turistas do mundo, um dos garçons apontou para um grupo de japoneses e desdenhou, dizendo coisas como: eles não entendem nada mesmo de comida mesmo, e só estão de passagem.

Se o raciocínio do sujeito estiver disseminado, o tiro é na própria cabeça. Pois não é justamente para conhecer e entender a boa comida que um guloso vai a Paris?

Por outro lado, ainda é tempo de avisar ao rapaz que há hoje mais estrelas Michelin no Japão do que na França. E durma-se com esse barulho.

Restaurante?

Chefs e políticos já se mobilizam para colocar ordem na casa, e há um projeto de lei na França que visa regulamentar o direito de utilização da palavra ‘restaurante’. Só seriam assim chamados estabelecimentos que preparassem os ingredientes e cozinhassem seus pratos no local.

Vejam o que disse o chef, empresário e ícone Alain Ducasse: “Dos 150 mil restaurantes franceses, três quartos só utilizam produtos industrializados. Os outros lutam para cozinhar com ingredientes frescos”, diz o chef.

Didier Chenet, presidente do sindicato que reúne o pessoal dos restaurantes e hotéis, afirmou que 31% dos restaurantes franceses utilizariam pratos prontos industrializados, baseado numa enquete feita pela entidade.

Segundo ele, se a lei dos restaurantes for aprovada, os restaurantes franceses ficarão mais caros. E voltamos à velha história, impulsionada por crises na economia: a ideia é comer mal e barato? O certo é que não é mensurável o prejuízo da França, ou de qualquer outro país que despreze sua cultura gastronômica.

É no vácuo de problemas semelhantes, por sinal, que surgem iniciativas como o Omnivore, festival que já passeia pelo mundo e chegará no Rio em setembro.

A França precisa quebrar o gesso que lhe paraliza as pernas e tirar o mofo das prateleiras.

Leilão no Palácio

Sinal dos novos tempos, no mesmo dia em que a questão da comida congelada surgia em veículos como o britânico The Telegraph, sites e jornais variados noticiavam que a presidência francesa, pela primeira vez na história, colocara à venda parte de sua adega, um total de 1.200 vinhos guardados no Palácio do Eliseu.

Os chineses foram os principais compradores de raridades da adega, criada em 1947, e a presidência arrecadou 718,8 mil euros, ou R$ 1,9 milhão.

Um lote de garrafas de Chateau Lafite Rothschild (Bordeaux) de 1978, por exemplo, estimado em 700 euros, foi vendido por 3,8 mil.

A garrafa mais cara foi um Chateau Petrus 1990, adquirida (surpresa!) por um francês, que passou por cima dos chineses e pagou 7,6 mil euros, ou R$ 20,5 mil, em 750ml do célebre vinho.

Atenção às palavras da sommelière da presidência, Virginie Routis: “O Palácio do Eliseu não pode mais se permitir de servir à mesa garrafas que custam 2 ou 3 mil euros”.

Sim, o governo quer renovar sua adega com vinhos mais modestos e dar destaque aos pequenos produtores. Mas não é exatamente isso que pretende o consumidor?

Não há mais espaço para arroubos de grifes e valores que pairam acima da realidade.

Passando a Marcha

Dos EUA, por outro lado, vêm notícias de um comportamento oposto ao de restaurantes que estacionam no tempo: a bem-vinda febre dos trailers e caminhões que viram restaurantes móveis, trabalham com ingredientes de qualidade e renovam o conceito de fast food.

Consta que o fenômeno começou em Los Angeles, após a crise econômica que enxugou os créditos, e se espalhou de uma costa à outra, do Oregon ao Texas.

Em Washington se destacam, entre 150 veículos gastronômicos, projetos como o Fojol Bros, que serve comida indiana, e o Chef Driven DC, do chef Jerry Trice.

“Nossa comida é feita com ingredientes da estação e produzidos localmente”, diz Trice, que já comandou cozinhas de restaurantes badalados e serve no trailer pratos como filé com batata frita ao molho de trufas e risotos preparados na hora.

Pesos pesados também participam do jogo, como o catalão José Andrés, dono de vários restaurantes sofisticados nos EUA. Há pouco mais de um ano, ele lançou seu Pepe, que serve nas ruas bocadillos – os sanduíches espanhóis – e trabalha servindo itens como jamón serrano, queijo manchego, gazpacho, saladas e ‘batatas bravas’.

“É uma forma maravilhosa de se aproximar de um público que talvez não frequentasse o seu restaurante. É uma espécie de embaixador que vai procurando mercado”, disse.

As redes sociais contribuem bastante para sucesso. Os comensais podem monitorar onde estão seus chefs favoritos e fazer pedidos online para evitar a fila. Os chefs, por sua vez, avaliam o alcance de cada receita e planejam o itinerário da semana, envolvendo o cliente no negócio.

Penso no evento O Mercado, ocorrido em maio, no Circo Voador, sucesso estrondoso que veio de São Paulo e engarrafou a Lapa num domingo à tarde, com chefs famosos oferecendo em barraquinhas porções a preços populares.

Há uma evidente demanda reprimida, um interesse crescente que esbarra nos preços praticados pelos restaurantes do Rio.

Os chefs ficaram radiantes, e isso talvez os faça pensar em alternativas, sair do espaço do restaurante e criar cardápios acessíveis.

A palavra é essa: alternativa.

Quem vai?

As fotos do post são reproduções da internet.




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