Arte de comer – Boca no Mundo
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17 de março de 2013

Arte de comer

São cinco círculos concêntricos, a partir da gema do ovo depositado em recipiente redondo cor de cobre. Descolado da mesa, este repousa em tela branca rodeado por dois fios desenhados, com curvaturas de arame. Estariam protegendo a granja?

É o que você pensa, diz o título da obra: ovo estrelado. Não é o que você pensa, diz a técnica: mousse de cará e gema a 63ºC. O prato-imagem rompe na capa do livro com a ideia de mesa, levando ao plano da tela o que se pretende comer e anunciando a sequência fotográfica de mais de 90 criações de Felipe Bronze, o chef mais premiado no Brasil desde 2010, quando abriu o Oro, seu restaurante no Jardim Botânico.

Felipe Bronze – Cozinha brasileira de vanguarda (Ed. Sextante), parceria do chef com o fotógrafo Sergio Coimbra, do Studio SC, em São Paulo, complementa o trabalho que Felipe desenvolve no restaurante, onde a boca é a parada final de pratos cujo impacto visual parece ser tão importante quanto o sabor, acendendo a discussão dos limites entre arte e gastronomia.

“O momento da concepção de um novo prato pode, sim, ser arte. Afinal, nasce de reflexão, criação, interpretação do cotidiano. Une traços de cores e texturas, busca causar emoção e atingir mais do único sentido óbvio, o paladar. Nesse momento é arte, e isso que buscamos captar no livro”, resume o chef, na entrevista de Felipe Bronze ao blog Boca no Mundo.

Mesmo com a juventude do chef, de 35 anos, e o caminho pela frente que o levaram a titubear no estúdio do fotógrafo, como revela no texto introdutório e confessional (“aterrorizado e com a noção clara de que não merecia estar ali”), parece claro que os pratos de Felipe merecem o registro fotográfico. Ainda mais quando as imagens retratam com fidelidade a apresentação dos pratos no Oro.

Minirráviolis de batata doce na lenha:

Assim como caminha na contramão da ‘cozinha confortável’ e leva o comensal para zona de tensão, experimentação e risco, Felipe segue no livro caminho oposto à tendência atual do compartilhamento ao dizer, sem subterfúgios, que as técnicas devem permanecer na cozinha. Opta por não publicar receitas, buscando seus objetivos no restaurante, declarados nas páginas: causar “emoção e surpresa através dos sentidos, contar uma história”.

As palavras, no caso, estão em diversos textos de um timaço de chefs, jornalistas e escritores que, nada monocórdios, propõem reflexões sobre os rumos e a evolução da alta gastronomia, o diálogo com os ingredientes brasileiros e a personalidade “borbulhante” do chef carioca. Nomes como Claude Troisgros, Daniel Boulud, Joaquim Ferreira dos Santos e Alice Granato.

A jornalista Alexandra Forbes, brasileira que melhor conhece a cena internacional da alta gastronomia, lembra de ter ouvido do chef catalão Albert Adrià sobre uns pratos que ele havia encomendado para servir suas invenções, negros e com o esqueleto de um peixe carimbado.

After Eight:

E alguns meses depois se surpreendeu ao ver os mesmos pratos em jantar no Oro, desvendado segredo de um chef que não brinca em serviço: Bronze foi ao fornecedor dos irmãos Adrià.

Cada vez mais importantes na gastronomia contemporânea, as dezenas de suportes, estruturas e pratos de desenho calculado para receitas específicas, feitos de vidros, madeiras, porcelanas e metais distintos, formam repertório à parte nas páginas e alargam o processo criativo de Felipe.

As muitas dimensões e camadas visuais de cada prato empolgam o fotógrafo Sergio Coimbra, que elogia o “olhar especial para a forma” do chef.

As homenagens ao Rio aparecem em pratos como Um Dia na Praia, onde, entre elementos como camarão espetado, biscoito de polvilho e queijo coalho, surgem na ‘areia de amendoim’ duas pegadas feitas com miniaturas de sandálias Havaianas.

Pulo do gato de Felipe, os ingredientes brasileiros de terra, céu e mar desfilam a cada apresentação, e ainda bem que temos Google para nos situar entre conterrâneos desconhecidos como mangarito, ariá, baru, aridã, amburana, cumaru, grumixama e bacuri, por exemplo. No Oro, eles surgem transformados, no sentido da vanguarda proposta pelo cozinheiro.

As questões estão agora por toda parte no Rio: a comida boa mesmo? Como assim, molecular? Já provou? Vale a pena?

As respostas estão no restaurante do Jardim Botânico, para onde o livro aponta como que a sugerir: decifra-me e venha me devorar.

Crédito: as fotos do post são de Sergio Coimbra.

Felipe Bronze – Cozinha Brasileira de VanguardaEditora Sextante Artes, 248 páginas, R$89,90.




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