O novo horizonte de Danio Braga
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Um almoço seria pouco para as lembranças de Danio Braga. A hora é de experimentar o presente em sabores do chef que trocou a serra da Locanda della Mimosa pelo mar do Sollar Búzios.
Na parede, algumas pistas da importância do cozinheiro italiano que chegou ao Rio de navio e criou nos anos 80 a Associação Brasileira de Sommeliers (ABS), apresentando ao carioca o serviço de vinhos no saudoso restaurante Enotria.
Uma foto com o Papa João Paulo II, a quem serviu durante 12 horas num vôo da Varig, é motivo de orgulho, e é espantosa a estante construída para abrigar 80 garrafas de Château Pétrus, herança da maior degustação já feita na história do vinho mágico de Bordeaux.
No salão iluminado pelo sol de inverno, refletido no mar a poucos metros do restaurante, degustamos menu escolhido pelo chef e a conversa rolou naturalmente.
De gênio forte e provocante, Danio disse que ensinou ao carioca o ponto certo de massas e risotos, pregou respeito à matéria prima e afirmou, sobre o Velho Mundo em sua adega:
“Por que vou beber Carménère, Malbec e esses vinhos feitos de madeira do Cone Sul? Para cometer harakiri?”.
Perguntado sobre onde costuma fazer uma boquinha na região, a surpresa: um boteco chamado Chez Lili, onde traça rabadas, costelas e frangos com quiabo.
Boca no Mundo – Você trocou o inverno pelo verão. Como está sendo a adaptação de sua cozinha? Há pratos antigos no novo menu?
Danio Braga – Não há nada antigo. Recomecei do zero. Sempre fiz uma cozinha regional, e absolutamente mediterrânea. O peixe não sobe facilmente a montanha, e agora o mar é um de meus pilares. O cordeiro é que virou problema (risos).
BM – Ainda há bons peixes frescos em Búzios, pescados ao redor da península?
DB – É preciso ficar em cima, porque o que é pescado aqui vai para o mercado em Cabo Frio, e depois volta para cá menos fresco. Moro ali em cima e ouço o ‘tó-tó-tó’ dos barcos, vejo quando estão chegando. Agora temos aqui o cherne, que nada próximo às ilhas, um badejo de pele vermelha e o pitangola, um ótimo peixe, carne sem fibras, é o ‘atum branco’. Não há linguado nem robalo. Também há lula, polvo e camarão da área, mas ostras tenho receio.
Aprenda aqui a receita do ceviche de Danio Braga.
BM – E por que a escolha da mozarela para batizar o bar da casa?
DB – Pensava no ingrediente italiano que combinaria com o litoral, que poderia ser leve e representativo de balneários italianos, de Capri, da Sardenha… E me veio a mozarela. Trabalho ela de todas as formas, assada, frita, no forno, quente, fria… E fazemos uma degustação do percurso da mozarela.
BM – Quantos rótulos há na adega e quais são os ideais para acompanhar sua comida?
DB – Temos 350 rótulos, com ênfase nos italianos. Os vinhos do Cone Sul não combinam com minha culinária. Quero elegância, não potência. Por que vou tomar Malbec, Syrah, Carménère chileno? Para cometer harakiri? Não sei quem é o marceneiro que faz esses vinhos (risos).
BM – Pode falar um pouco sobre essa degustação inacreditável do Château Pétrus que você guarda na parede?
DB – Foi em 2011, no Copacabana Palace, oferecida por um empresário e enófilo muito generoso a 40 amigos. Eram 20 casais e 80 garrafas, a primeira safra de 1900. Foi algo maravilhoso, alguns vinhos que nem o dono do chateau bebeu. E apenas uma ou outra garrafa não estava boa.
BM – Sobre o cenário atual: o que você acha das técnicas de vanguarda, produtos e máquinas que invadiram a cozinha para dar uma nova cara à comida, apontar novos caminhos?
DB – Você fala da gastronomia molecular? Acho interessante, mas já passou, né? Quantos são os chefs que ainda estão fazendo isso? Conheci Ferran Adrià em 1980, fui mais de uma vez a seu restaurante, o considero um gênio, mas não é uma coisa que se sustenta. Você não pode comer ar de parmesão todo dia. Sou fissurado pela matéria prima. Quanto menos interferir, melhor. O ser humano busca frescor, qualidade, leveza.
BM – Quais são as boas lembranças que você guarda do Enotria?
DB – As coisas eram difíceis, mas gratificantes. Eu servia uma taça de espumante a quem chegava, e muitas pessoas não sabiam o que era. Aí me pediam uísque e eu falava: só tem vinho. Nem refrigerante eu tinha. Muita gente ia embora, mas não podia fazer diferente. O cardápio mudava a cada dia mas não era por opção, é porque não tinha mesmo como armazenar as coisas. Eu trazia produtos na mala da Itália. Diziam que o arroz do risoto estava duro, ou a massa, mas insisti no ponto certo e as pessoas aprenderam. Hoje é outra coisa.
BM – Há algum restaurante que você frequente em Búzios?
DB – Gosto é de comer um frango com quiabo, rabada ou costela num boteco aqui perto que se chama Chez Lili (risos). E aprecio o Rocka, que faz uma boa comida.