Lucas Corazza e o cacau de origem
Compartilhe:
- Tweet
Quem conhece Lucas Corazza apenas da tela, como jurado de receitas do programa Que Seja Doce, do canal GNT, não imagina a extensão do trabalho do confeiteiro, professor talentoso e apaixonado defensor dos produtos brasileiros.
Quando o tema é chocolate, basta tocar no assunto para que o bate-papo se transforme numa aula sobre a história do cacau no Brasil, os reflexos atuais da praga ‘vassoura-de-bruxa’ – que quase acabou com o cultivo nos anos 1990 -, e a importância de apoiar a produção do cacau fino de origem, que separa o ‘joio do trigo’ no interior da mata.
Antes de reger a plateia numerosa e animada em aula no palco central do 8º Festival Internacional do Chocolate e Cacau, que terminou no domingo (24/07), Lucas deu saborosa entrevista a Boca no Mundo.
Boca no Mundo – Como você definiria o cacau de origem, esse produto brasileiro que gera chocolates cobiçados por chefs e confeiteiros no mundo inteiro?
Lucas Corazza – O melhor cacau é aquele intocado que nasce dentro da mata, onde a planta cresce com toda a sua qualidade, cultivada com respeito à natureza e à biodiversidade, sem agrotóxicos, clones ou plantas infectadas pela vassoura-de-bruxa. Um produto de personalidade que vai oferecer uma paleta de sabores ao paladar.
BM – E quais são os obstáculos enfrentados por essas plantas abençoadas no cenário atual, quando a indústria consegue recuperar, em volume, a produção prejudicada pela vassoura-de-bruxa?
LC – O problema é que produtor de cacau virou refém de um esquema criado pela grande indústria do chocolate, onde ele precisa vender o cacau ruim e mesmo infectado para sobreviver. Os gigantes do setor souberam tirar proveito da crise gerada pela vassoura, comprando matéria prima de baixa qualidade para atingir a porcentagem mínima de cacau para que seus produtos sejam chamados de chocolate, e então criar fórmulas com conservantes, saborizantes e outros químicos, garantindo que os chocolates tenham sempre o mesmo gosto.
BM – A maior parte dos chocolates de grande produção não informa o teor de cacau no rótulo, e dizem que muitos não chegam a ter os 25% que a lei obriga. Você concorda?
LC – Com certeza, há equações mágicas para se burlar a lei e ainda não há uma fiscalização rigorosa. O famoso chocolate Alpino, por exemplo, é na verdade um doce com sabor de chocolate. E isso está no paladar.
BM – Felizmente, basta um giro pelos estandes do Festival para perceber que há diversas marcas apostando na alta qualidade. Estão remando contra a maré?
LC – O que acontece aqui em Ihéus e na região Norte é que empresas como Sagarana, Mendoá, ChOr, Maltez e Harald perceberam o esquema e decidiram quebrar o paradigma, empoderando o microprodutor a reconhecer os pés não contaminados, os resistentes, e lhes dar o direito de colher o melhor cacau e vender a preço diferenciado. Elas pagam adiantado pelas sacas, para que tenham mão de obra qualificada na seleção das melhores sementes antes que tudo seja colocado no mesmo saco e vendido como commodity.
BM – Podemos então sonhar com a democratização do bom chocolate?
LC – A democratização desse chocolate é inviável. Não se consegue escala porque a grande indústria continua comprando o cacau ruim e impedindo que a produção de boas sementes cresça. Então é um produto caro e nós não costumamos pensar além do cartão de crédito, em nosso papel como consumidores, em quanto vale aquilo para o produtor. De qualquer forma, precisamos desses personagens heróicos no mercado, ganhando voz para mostrar que há um caminho diferente e também para o microprodutor, que se sente motivado para buscar o melhor. O Brasil é o único país grande consumidor de chocolate e ao mesmo tempo produtor de cacau do mundo.
BM – Pode explicar seu projeto Chocólatras Solidários?
LC – Dou aulas por muitos lugares no Brasil e sempre tenho minhas despesas pagas. Então, costumo escolher uma entidade ou ONG para receber doações, com a ajuda de parceiros nas cidades que oferecem a estrutura para o trabalho. Aqui em Ilhéus preparei 350 mousses de chocolate 63% da Unique, e cada uma foi vendida a R$ 10, com toda a renda destinada ao Abrigo São Vicente de Paulo, que acolhe 80 idosos na cidade.
BM – Você e outros chefs famosos só trabalham com chocolate brasileiro. É o melhor caminho para a alta gastronomia no país?
LC – Ser brasileiro e usar produtos brasileiros é coerente, pertinente, me desafiei a isso e estou aqui levantando essa bandeira. É lindo entender o produto, crescer e chegar junto com ele ao melhor momento. O cara compra uma batata baroa orgânica para levar o Brasil à cozinha e vai fazer na sobremesa um doce com chocolate belga? Não faz sentido.
Veja aqui um trecho em vídeo da entrevista com Lucas Corazza