A linha evolutiva do chef no Irajá
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“Temos um trabalho danado para servir algo simples no prato”, diz Pedro de Artagão, quando pergunto como foi feito o contrafilé de Black Angus que serve em seu novo Oswaldo Aranha: a carne passa por ligeira cura, depois é cozida no vácuo, e por fim selada na frigideira, servida sobre espécie de purê de farinha de arroz branco produzida na casa. Ao lado, a farofa contém farelos crocantes de batata.
Há pouco mais de um ano, o chef deixou o sóbrio Laguiole, casa aberta apenas para almoço no Centro, para realizar o sonho do restaurante próprio.
Relendo de forma sofisticada pratos tradicionais, Pedro mistura tecnologia a técnicas clássicas, inventando menu brasileiro com espírito universal, brincando com paladar e memória.
Eleito em 2012 o Chef Revelação pelo Comer e Beber, da Veja Rio, e faturando no mesmo ano a categoria Melhor Restaurante Novo na revista Época Rio de Janeiro, o chef se diz insatisfeito com os sistemas de premiação e sugere a criação de uma nova categoria para os restaurantes.
Após a degustação de pratos do novo menu do Irajá Gastrô, provavelmente o melhor já servido na casa, e devorando o bolo quente de chocolate que já quase causou briga no salão, conversei com Pedro sobre a nova fase, o processo de criação e a gastronomia carioca.
Gazpacho de pimenta cambuci, maçã verde, ervas e coalhada:
Boca no Mundo – O que mudou na vida com o Irajá? Você é hoje um chef melhor do que era nos tempos do Laguiole?
Pedro de Artagão – Tudo muda quando você é dono e sócio. A liberdade para criar quando e como quero, gerenciar a equipe, e responder pelo sucesso ou não da empreitada. A responsabilidade é maior e há uma evolução. Estou pensando mais na mensagem de cada prato, e conseguindo passá-la. Aprimorando a interação entre cada ingrediente, equlibrando acidez e gordura, descobrindo o melhor lugar para cada coisa. Considero cada novo menu do Irajá melhor que o anterior.
BM – O restaurante está seguindo o caminho que você imaginava quando abriu a casa?
PA – No início eu queria me dedicar mais a meus menus degustação, uma coisa para menos gente, que todos pudessem provar, mas ficamos ‘pop’, tivemos casa cheia e público variado. Na verdade, estamos dentro de um novo conceito de restaurantes de bairro.
BM – E como seriam essas casas?
PA – São lugares daqueles que as famílias e pessoas vão para pedir os pratos que gostam e reconhecem, mas com algum requinte, saindo da mesmice, com outra pegada. Ambientes bacanas mas sem ostentação, de modo que as pessoas se sintam em casa.
Gnudi de batata baroa aos cogumelos:
BM – Há uma linha bem definida de releitura de clássicos cariocas no seu menu, a ideia é prosseguir nesse caminho?
PA – Se você notar, estou fazendo uma coleção de filés. Já fiz o parmegiana, o piemontese, o poivre e agora o Oswaldo Aranha. Adoro os parmegianas, mas são sempre bem passados, então fiz aquele bife alto, rosado no interior, toda hora alguém reclama por ter saído do cardápio. Mas tenho apenas 12 pratos, é a estrutura da cozinha. Estou na quinta mudança de menu e tenho que substituir, apesar de que hoje poderia ter um cardápio inteiro com as melhores criações.
BM – Como, quando e onde você cria seus pratos?
PA – Muitas vezes, quando me concentro para criar não sai nada. É quando estou bem longe da cozinha que vêm as melhores ideias. O novo lombinho veio numa feijoada de fogão à lenha, em Minas. Pensei na taioba, e numa forma de apresentar o feijão. Aí lembrei de um chef peruano que certa vez fez um feijão com cominho, imaginei um purê. Em vez de pingar limão, algo esperado, por que não uma saladinha de frutas cítricas? Às vezes um prato se resolve um ano depois que começo a pensar nele.
Bacalhau com chuchu em dois caminhos:
BM – E o bolo quente de chocolate, vai sair do cardápio?
PA – Esse não tem como, sai briga por ele. Tem cliente que já chega encomendando, e gente que vem aqui só para comê-lo. Aí eu digo: pô, não vai provar minha comida? (Risos) Há um funcionário pago só para fazer o bolo, em forno especial. Já teve gente escrevendo que R$ 28 é caro para o bolo, que é o preço de uma torta na Parmê. Vamos falar sério, minhas sobremesas são para dividir, bem servidas para duas pessoas, uso cacau belga Callebaut, creme de leite fresco, e o bolo ainda é feito em forno de R$ 60 mil.
Bolo quente de chocolate e brigadeiro:
BM – Você ganhou prêmios de revelação e novidade nos últimos anos, concorda com o modelo de julgamento e categorias dos principais prêmios do Rio?
PA – Há coisas que deveriam ser repensadas. Dentro da categoria Contemporâneo, por exemplo, há diversos restaurantes que não têm chance porque concorrem com outros que trabalham sem cardápio e para poucos fregueses. Eu tenho almoço e jantar de serviço intenso a la carte, como posso competir com casas como da Roberta (Sudbrack), que servem poucas pessoas por dia, apenas menus degustação? Então acho que deveria ser criada a categoria Menu Degustação. Isso abriria espaço, ajudaria a diversificar.
Créditos: as fotos dos pratos são de Alexander Landau. Na abertura, o novo espaguete carbonara com bottarga caseira. A foto do chef é de Pedro Landim.