Paris de Dalí a Ducasse
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Quando o empresário (tá, ele já foi chef) Alain Ducasse (mais de 20 restaurantes em quatro continentes) comprou o bistrô centenário Benoit, em 2005, o ex-proprietário, Michel Petit, entregou aos prantos a chave da casa. Reza a lenda, Ducasse lhe pediu que a guardasse para entrar a qualquer momento. Michel passou a almoçar lá sempre às terças-feiras.
Não sei se permanece o hábito, mas não pude encontrar o neto do senhor Benoit Martray, que abriu a casa há 100 anos, porque foi numa segunda-feira regada a flocos de neve que caminhamos pela margem direita do Sena em tarde que terminaria de forma surreal: a exposição de Salvador Dalí no Centre Georges Pompidou, ali pertinho.
O Benoit é mesmo um dos bistrôs mais bonitos de Paris, e a sensação de que as paredes acabaram de ser pintadas, e os móveis lustrados, imprime certo aspecto de cenário ao ambiente.
Vestida em verde jade e rodeada na esquina por vasos de plantas, a casa reluz por dentro em amarelo, dourado e veludos vermelhos, com louças em porcelana florida trazendo o nome do restaurante, luxo que contribui para a estrela única conferida pelo guia Michelin.
A divisória de vidro à frente do bar exibe um exemplar pendurado do Le Canard Enchaîné, jornal satírico francês.
Canard? Boa ideia. Escolhi o ‘foie’ mergulhado em sopa de lentilha como entrada, no menu fechado de almoço a 38 euros, incluindo ainda principal e sobremesa.
Merecia uma fatia maior do fígado, cujo gosto sumiu e nada acrescentou ao caldo de tempero forte, ficando o conjunto aquém da salada de endívias com queijo Fourme d’Ambert, nozes e compota de quince (fruta prima-irmã da pêra), pedida de Mme. Paret.
Degustamos ainda, alva como nuvem, uma posta de pollack (peixe delicado da família do bacalhau) no vapor com molho de alho e salsa na manteiga, aspargos delicados e tirinhas de bacon que me abriram sorriso largo, pontuando sem roubar o sabor do conjunto; e um belo naco de carne braseada (selada depois cozida lentamente em caldo e vinho) com cenouras.
Na sobremesa, bela seleção de tortinhas, e fatia gigante de um ‘savarin’ com creme leve, com direito a garrafa de Armagnac na mesa para embebedar à vontade o bolo. No café, um petit four que só mordendo.
O Benoit é um programa turístico que deve ser levado em consideração por quem deseja conhecer a gastronomia parisiense ‘de grife’, bistrô relevante na história recente da cidade, com serviço impecável (de nariz ligeiramente empinado) e qualidade nivelada por cima.
Ótimo almoço para um passeio que começa num dos mais belos trechos do Sena, onde as duas ilhas se encontram, até o suntuoso Hotêl de Ville – sede da prefeitura da cidade -, com pequena parada na Place du Châtelet, marcada pela Fontaine du Palmier - monumento que suporta estátua dourada comemorativa da campanha de Napoleão no Egito (por isso as curiosas esfinges esculpidas embaixo).
Alguns passos à frente está a Rue Saint-Martin e o bistrô de Ducasse, de onde se chega, com mais alguns passos, ao Georges Pompidou, digestão entre obras de arte diversas.
Benoit. 20 Rue Saint-Martin. 33 1 4272-2576. Metrô: Hôtel de Ville (Linha 1). Todos os dias, almoço das 12h às 14h, e jantar das 19h30 às 22h. Aceita todos os cartões de crédito. Reserva recomendada com alguns dias de antecedência.