Cordeiro sobre tela
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Comece o passeio impressionista chapado diante da ‘Nuit étoilée sur le Rhône’, de Van Gogh. Você está no segundo andar do Musée d’Orsay, são 16h e ninguém almoçou. Caminhe devagar pelos salões, deixe a antiga estação de trem impressionado e siga pela margem do Sena até a Rue Bonaparte.
Ande pelo rio de galerias de arte e lojas de luxo, incluindo a Ladurée dos célebres macarons (segure a onda), vire à esquerda no Boulevard Saint Germain, após passar pela porta do Les Deux Magots, onde Sartre bebia com Simone (volte lá depois para um croque-monsieur), e desça a rua até o Carrefour de l’Odéon.
O bistrô que espalha mesinhas redondas em calçada charmosa do Quartier Latin, sob toldo preto no belo prédio do hotel Relais Saint Germain, é a casa do chef Yves Camdeborde, nome de ponta do movimento conhecido como ‘bistronomie’, sacodindo a poeira da cozinha francesa.
Tome nota e se impressione novamente: Le Comptoir du Relais.
Emoções
“Estou chocada”, disse Madame Paret, após garfada seguida de longo suspiro e olhos fechados.
No grande espelho da parede principal, a descrição em giz de novo quadro em pinceladas de luz e cores: “Lombo de cordeiro dos Pirineus com purê de cenouras e legumes de inverno”.
A carne macia e suculenta em pedaços que se misturavam através do caldo aos sabores frescos do purê que tudo envolvia. As batatas se desfazendo, a cenoura e a couve de bruxelas em pontos distintos de cozimento, num todo perfumado em que cada parte se sobressaía em nome do conjunto.
O prato que emocionou a freguesa era um ensopado de bochecha bovina com massinha ‘coquillette’ e cenouras. Uma versão divina do boeuf bourguignon, com lascas de amêndoas crocantes por cima da carne, se desfazendo no garfo. Secamos a tijela com a ajuda de nacos do pão caseiro, porque é preciso comer pão na França.
Na entrada, dividimos generosas fatias de foie gras ‘mi-cuit’ com purê de ameixa, cereja escura marinada, pão caseiro e folha verde com tiras crocantes de cebola frita. Um crème brûlée de café, e depois o café propriamente dito para encerrar a festa com um Calvados, observando a tarde caindo e o restaurante vazio começando a ser preparado para o turno da noite.
Personalidade
A onda da bistronomie pode ser definida como um retorno inteligente aos tempos em que os grandes cozinheiros não estavam abrindo restaurantes suntuosos pelo mundo e buscando estrelas Michelin para justificar investimentos astronômicos.
Em momento onde o luxo saiu de moda, a economia sofre e os fregueses não têm mais dinheiro para gastar em ostentações culinárias, um grupo de chefs franceses resolveu encostar de novo a barriga no fogão em pequenos bistrôs para mostrar por que a culinária francesa ensinou o mundo a comer no século passado.
“Não sou contra a evolução, mas é importante preservar a arte de viver e comer. Alguns jovens chefs estão tentando copiar os espanhóis (referindo-se à turma de Ferran Adrià). Me pergunto: por que fazem isso? Será que a cozinha francesa não tem personalidade?”, disse Yves Camdeborde ao jornalista e escritor norteamericano Michael Steinberger, no livro ‘Adeus aos Escargots’ (Ed. Zahar).
A reserva para jantar na casa de pouco mais de 20 lugares é uma das mais difíceis da cidade, e deve ser feita com mais de dois meses de antecedência para o menu de cinco pratos a 60 euros (mais barato do que qualquer semelhante no Rio, para uma das melhores comidas de Paris).
O esquema de chegar tarde para o almoço a la carte (servido até às 18h) funciona, não há reservas para o horário. No jantar é servido apenas o menu degustação, das 20h30 às 23h. Um almoço completo, sem bebidas alcoólicas, fica na média dos 40 euros por pessoa.
Le Comptoir du Relais. 9, carrefour de l’Odéon. 33 1 4427- 0797. Metrô: Odeon (linhas 4 e 10). De segunda a sexta, almoço das 12h às 18; e jantar das 20h30 às 23h. Sábado e domingo, aberto das 12h às 23h. Aceita todos os cartões de crédito.