Tucupi, bacon de coco e Manu Buffara
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No potinho, se mostrava simpática a sobremesa. Um bolo molhado com caldinho ao fundo, uma bola branca de sorvete e lascas de coco morenas. A descrição no menu: ‘Tucupi, Bacon de Coco e Leite’.
Lá vem mais uma delicadeza, era o que todos pensavam, ao fim de um jantar de rara sensibilidade na transposição, às panelas do restaurante Quitéria, a poucos passos do mar de Ipanema, da filosofia de vida e cozinha de um fenômeno paranaense chamado Manu Buffara.
Primeira colherada e suspiros. Segunda e a troca de olhares. O tempo parou de repente no salão para ver passar a sobremesa de uma vida.
Sentados ao meu lado, os amigos Bruno Agostini e Isabelle Lindote, dois craques do jornalismo brasileiro de gastronomia, e veteranos de fabulosas degustações, ameaçavam descer das cadeiras para comer ajoelhados. Porque eu já estava.
Em tons claros e contidos, tudo ali era reconhecível ao primeiro olhar, mas nada contava na boca a história imaginada. Sabores e texturas se combinavam em pequenas epifanias na língua, uma festa para qual todos os gostos que conhecemos – com a exceção do amargo – foram convidados.
Principalmente, e o segredo seria revelado no dia seguinte via WhatsApp, um tal de umami – conhecem esse cara? Resumo básico: é o chamado ‘quinto gosto’. O ácido glutâmico presente em certos alimentos, um ‘excitador’ natural do paladar que foi sintetizado pela indústria no famoso glutamato monossódico.
Alho poró, marisco e pimenta de cheiro
Agora sintam a extensão do drama: o tal caldinho lá no fundo era um dashi (caldo japonês) de tucupi e kombu, a alga responsável pela descoberta do próprio umami, e nesse momento eu passo a palavra à Manu.
“Sempre achei o tucupi incrível, e todos acabam usando em pratos salgados. Me veio a ideia de fazer com ele um dashi, com um pouco de cogumelo seco, orégano fresco, manjericão-limão e coentro, deixando 24 horas em temperatura bem baixinha. Aí peneirei e acrescentei a alga kombu”.
Lindo. E depois?
“Fiz um bolo de coco fresco, com água de coco e leite de coco, bem molinho, e reguei com um leite do amendoim que plantamos (sim, ela planta amendoim), caramelizado no açúcar mascavo”.
Então…
“A gente faz um sorvete de iogurte natural e finaliza a sobremesa com o bacon de coco, que nada mais é do que lascas de coco com um pouco de shoyu, açúcar e uma passagem pela churrasqueira para dar o toque defumado”.
Que tal?
Porco, quinoa e açaí de juçara
Mexilhão Catado
Não é fácil para um cozinheiro atuar fora de seus domínios, tendo que produzir um menu degustação em cozinha diferente, em outra cidade, com a tarefa de expressar a essência de seu trabalho em apenas um jantar.
Muitas vezes, grandes cozinheiros ‘decepcionam’ em ocasiões semelhantes. Quando se tem como estrelas produtos frescos e únicos, plantados e colhidos sob a supervisão da equipe da cozinha, com algumas joias garimpadas em pequenos produtores locais – incluindo frutos do mar -, é certo que muita coisa viajará na mala, em logística delicada.
A categoria da Manu para contextualizar seu menu de acordo com o Quitéria, aproveitando conceitos do restaurante carioca, foi um dos assuntos na mesa, quando recebemos algo inesperado em jantares do gênero: panelinhas para compartilhar, cada um servindo seu prato, como nas boas refeições caseiras.
No caso, um assado de copa lombo de porco, com o molho clássico feito com os ossos, mas utilizando o ‘açaí’ de palmeira jussara no lugar do vinho. Nas panelinhas, além de abóbora assada e quinoa, um de meus destaques da noite foi uma espécie de guacamole de abacate com minigrãos de milho – coisas que idolatro.
É claro que toquei no assunto, e Manu mandou a letra:
“Ainda estamos na época do abacate no Paraná. Eu tempero com limão e jogo o milho quente por cima, é um minimilho que produzimos em uma de nossas hortas, puxado na manteiga com cebola bem dourada. O abacate combina com o porco, na untuosidade, e aí entra a acidez do limão”.
No prato do mar, bati na tecla dos mariscos vigorosos, mexilhões como há muito não comia, de sabor fresco de maresia. Pois são ‘selvagens’ e catados um por um por pescadores artesanais no litoral paranaense, como a gente fazia com tatuí quando era criança.
Couve flor, maracujá nativo e amendoim fermentado
O jantar de Manu Buffara foi o último da segunda temporada da série ‘Cozinheiras Brasileiras’, que leva ao o restaurante Quitéria (da chef Alejandra Maidana) cozinheiras que desenvolvem trabalhos autorais importantes sobre ingredientes brasileiros, com o patrocínio da Vitalatte.