Troisgros e o hambúrguer feito de planta
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“Tá de sacanagem?”, foi a sincera e espontânea reação do chef que adora carnes, quando um amigo de infância apareceu em sua hamburgueria com um papo estranho: “Tenho um hambúrguer feito de planta para você provar”. Thomas Troisgros não tirou a pulga de trás da orelha, mas jogou o disco na chapa. “Tinha até boa textura, mas não gostei do sabor. Pensei: hambúrguer é de carne”.
O empresário Marcos Leta retornou às pesquisas e testes na Fazenda Futuro, sua foodtech carioca (startup de alta tecnologia na produção de alimentos), colocou as máquinas para funcionar e, um ano depois, Thomas colocava no pão de batata o T.T. Futuro Burger: 115 gramas de ‘carne’ feita de vegetais, com aquela crostinha dourada e o interior suculento, acompanhado de cebola agridoce, tomate, alface romana e ketchup de páprica.
“Não quis firular com o produto novo e resolvi fazer o básico. Para mim, lembra um pouco carne de porco, com um leve dulçor e algum defumado. E dá aquela saciedade da carne”, opina Thomas. Para atender à demanda vegana, o chef oferece na rede T.T. Burger uma opção com o queijo vegano Nomoo, feito de castanhas e óleo de coco.
“Sim, temos que repensar o jeito que se produz e se consome carne no mundo. Mas coloquei no cardápio porque gostei da bolacha, não para seguir tendência”.
Conheça: Os 10 mandamentos do hambúrguer
Maillard Presente
Na fabricação da versão 1.0 do hambúrguer, disponível nos supermercados, ingredientes como fraldinha, alcatra, peito e acém dão lugar a soja, ervilha, grão de bico e beterraba. Os três primeiros têm as proteínas isoladas para o trabalho de textura, enquanto a beterraba em pó entra para manter a coloração e recriar no calor da chapa crosta semelhante a dos hambúrgueres de carne, a famosa reação de Maillard. Além disso, entram na fórmula temperos como cebola, sal, pimenta e extratos naturais, sem nenhum aditivo ou processo químico.
“Sou contra o discurso radical, mas a carne bovina tinha que ser vista como uma iguaria, um produto artesanal. Deveríamos perguntar de onde vem o boi e o que ele come. Antigamente se comia carne uma vez por mês”, afirma Thomas.
O Futuro TT Burger responde por cerca de 11% das vendas de hambúrgueres da rede, o triplo dos dois outros vegetarianos da casa, um à base de cogumelo shitake, e outro de bolinhos estilo falafel de grão de bico.
Bill Gates Impossible
Nos Estados Unidos, a rede Burger King lançou recentemente o Impossible Whopper, versão do famoso sanduíche feita com o Impossible Burger, pioneiro à base de plantas. O produto gringo, financiado por Bill Gates, utiliza processo diferente de fabricação em relação à novidade brasileira, e causou impacto ao ser apresentado, em 2016, no Momofuku Nishi, do chef David Chang, em Nova York.
O hambúrguer foi criado com a produção de uma hemoglobina batizada de ‘heme’, fruto de alteração genética na soja para reproduzir molécula bovina. A fabricação não é permitida fora dos EUA.
Na busca planetária da sustentabilidade e proteção ao meio ambiente, que sofre com os métodos tradicionais da pecuária, também vem sendo testada com sucesso a chamada Clean Meat. No caso, porém, a carne não é vegetariana, mas produzida em laboratório a partir de células de animais vivos.
Fazenda de Máquinas
O empresário carioca Marcos Leta, de 36 anos, está empolgado com a versão 2.0 de seu Futuro Burger, que chega no mercado em agosto: “Está sinistro, você come e diz que é carne”.
São quase três anos de pesquisa e experiências na Fazenda Futuro, empresa criada no modelo das startups que desenvolvem projetos semelhantes, a maioria situada no Vale do Silício, na Califórnia. As instalações da fábrica em Volta Redonda (RJ), ele conta, se parecem muito com as de carne bovina, utilizando máquinário de ponta alemão.
“Somos uma indústrias de máquinas ‘hackeadas’ de frigoríficos, com adaptações de formatação para os vegetais. Entendemos as moléculas no sangue do boi e recriamos a cadeia lipídica de um hambúrguer, a textura e as fibras através de vegetais, com o mesmo aporte proteico. O Futuro Burger tem 17 gramas de proteína, como o bovino”.
No Brasil, a próxima grande parada comercial da carne de plantas será na rede Spoleto, de fast food baseado em massas. O macarrão à bolonhesa, prato mais vendido, ganhará uma verão plant based, além da presença no cardápio de almôndegas.
Vale sempre lembrar dos números divulgados pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO): para acompanhar o crescimento da população mundial, com as 9 bilhões de pessoas esperadas no ano de 2050, a produção de alimentos precisa crescer cerca de 70%. Alternativas são bem-vindas.
Texto publicado na revista Sabor.Club