Sudbrack de raízes, taiobas e mongubas
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Primeiro foi a imensa jaca, que se espatifa pelas esquinas – é sempre bom olhar para o alto. Depois a estranha esfera chamada fruta pão, que vive sobre os engarrafamentos mas ninguém vê. Agora, os cozinheiros-coletores descobriram em sombras urbanas a monguba – também conhecida como castanhola, ou castanha-do-maranhão. Você conhece?
Na verdade, o nome pouco importa a Roberta Sudbrack, e sim as possibilidades, a abordagem e o diálogo estabelecido com ingredientes como o corpo estranho de casca dura e sementes alvas que, a princípio, apenas enfeitava a mesa no lançamento da coleção Raízes – o novo conjunto de ideias que aponta caminhos para os menus da temporada 2016.
O vegetal eleito para nortear as pesquisas, porém, igualmente incompreendido e certamente subestimado, foi a folha verde-escura da taioba, peça-chave de um quebra-cabeças apresentado em tons de mato, casca, madeira, terra, caule, raíz.
Entre testas franzidas, olhos arregalados e sorrisos de satisfação, um estado coletivo de reflexão ganhou a mesa a poucos passos da cozinha em que Roberta desenvolve trabalho onde a descoberta de ingredientes traz a invenção das técnicas que os transformam. Na corda bamba que une tradição e modernidade – onde o risco faz parte do espetáculo -, a chef aprimora a experiência única da cozinha ultramoderna que despreza o avanço da tecnologia.
Monguba, maçã, consommé:
Matcha Caipira
Pensem no momento em que o pão queimado pula da torradeira, e tentamos salvá-lo raspando a parte preta. Pois quem se salva na cozinha da Roberta é o pó torrado, acidente que vira tempero sobre o tortellini de batata doce com taioba e… pão queimado.
A monguba, que flagrei outro dia em árvore frondosa no Leblon, abriu a noite como sementes cruas e delicadas de sabor e textura situados entre o palmito pupunha e o coco maduro, pinceladas com sutil purê de maçã sobre consommé.
Carne crua, queijo asiago de Pernambuco, e monguba frita:
Logo mais as castanhas colhidas na rua surgiriam despedaçadas, fritas e crocantes, trazendo lembranças de avelãs ao lado de flocos de queijo ‘asiago’ do agreste pernambucano – de sabor profundo, amplo, salgado, acre-doce -, sobre lâmina de carne crua.
Filé, abóbora, tucupi, raízes queimadas:
Filé e abóbora, ambos na brasa, vieram sobre tucupi negro enlaçados por raíz amarga e aromática que abriu caminho inesperado ao conjunto: era o fio geralmente desprezado na ponta do rabanete, descobrimos ao final.
Tortellini de batata doce, taioba, pão queimado:
A taioba? Em golpe de mestre foi transformada num criativo ‘matcha’ do interior. O pó verde escuro e concentrado começou caindo em nuvem sobre o purê sedoso de favas brancas, acompanhando o peito bovino (em aula de) assado por mais de 12 horas.
Talo de taoiba, amendoim, queijo manchego velho:
E terminou em pequena pérola do repertório sudbrackeano de doçuras: um ‘matcha mochi’ onde o arroz glutinoso do doce comemorativo japonês deu lugar à goma de tapioca, sendo o pó de chá verde substituído pelo da majestosa folha brasileira.
Peito, favas, matcha de taioba:
Rua dos Prazeres
Nos 10 anos de vida da casa no Jardim Botânico, Roberta Sudbrack construiu vocabulário próprio que propõe a evolução da gastronomia brasileira a partir de ingredientes que não estão apenas na memória, mas nas experiências cotidianas da alimentação de todo mundo. É o caso do milho, da banana e do quiabo.
E prosseguiu revelando atores inesperados, desconhecidos ou menosprezados, como a jaca, a fruta pão e a taioba. As duas primeiras, encontradas de norte a sul da cidade, nas praças, parques e canteiros, a exemplo da monguba.
Matcha de mandioca, mochi de taioba:
Atravessar a rua e colher no ambiente urbano a matéria prima para as criações premiadas de um restaurante que frequenta as listas dos melhores do mundo estabelece novas perspectivas e conexões, quando falar de gastronomia virou moda planetária. E reafirma a importância capital e estratégica da cozinheira autodidata que atropela modismos e segue caminhando na frente.
Roberta Sudbrack. Av. Lineu de Paula Machado 916, Jardim Botânico, Rio (21) 3874-0139. Terça a quinta, das 19h30 às 23h; sexta, das 12h às 15h, e das 20h30 à 0h; sábado, das 20h30 à 0h.