Quebrando a banca
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A ideia rodava pela cabeça, descia ao estômago e acelerava o coração: se instalar na cozinha de Roland Villard e enfileirar no garfo as criações de um dos melhores chefs do País até dizer: “obrigado, não quero mais”.
Aventura que atende pelo nome de ‘Table du Chef’, disponível a qualquer mortal com fome de alta gastronomia e algum no bolso.
A mesa em questão comporta quatro pessoas (nem mais, nem menos), no escritório refrigerado que o chef mantém dentro da cozinha gigante de seu Le Pré Catelan, área que atende aos dois restaurantes e toda a demanda alimentar do hotel Sofitel, na Avenida Atlântica.
É o local onde Roland experimenta novos ingredientes e criações, recebe fornecedores e faz reuniões de trabalho. Pequena sala com fotos suas ao lado de personalidades como Pelé ou Paul Bocuse, estante de livros de gastronomia e anexo com geladeira, ambiente cercado de janelas por onde se vê o movimento dos fogões.
Roland, em pessoa, e cozinheiros da equipe recebem os felizardos sem cobrança de rolha – o freguês não paga para levar seus vinhos – e iniciam a degustação baseada em pequenas ‘trilogias’, resumindo o repertório da casa, sem limite de pratos (isso mesmo que você leu).
A brincadeira custa R$ 430 (mais 10%), e se o leitor se assustou vamos ponderar: R$ 470 para comer o quanto quiser num dos mais sofisticados restaurantes brasileiros, tudo preparado na hora e servido pelo chef em sala exclusiva? Não é caro.
Estratégia
Um e-mail bastou para formar o grupo já conhecido como o Quarteto Fantástico, três camaradas gulosos de longa data que cito aqui em pseudônimos para preservar suas famílias: Abdul, Monocelha e Boca Preta.
Cientes de que a noite seria inesquecível, investimos em seleção matadora de vinhos da importadora Casa Flora e celebramos a amizade em garfadas e goles históricos. No brinde, o firme propósito de quebrar o recorde de 39 receitas devoradas em mesa anterior.
Passar o dia em jejum é ideia que surge naturalmente diante de tamanha comilança, mas a estratégia se revelou equivocada a um dos glutões. A dica está no café da manhã frugal e o almoço leve, importantes para manter o metabolismo funcionando. Você vai precisar dele em forma durante a noite.
Há quem convide camaradas como Digesan (bromoprida), Motillium (domperidona) ou Sonrisal, velho conhecido antiácido. Gosto do primeiro, embora amiga médica tenha dito que pesquisas associam sua utilização ao mal de Parkinson. Mas, cruzes, do que estamos falando?
Tenha sempre em casa boldo e carqueja para o chá e não vamos perder o fio da meada.
Na passarela das delícias, o melhor de coleções atuais e anteriores de Roland, como itens retirados dos dois fantásticos menus criados nos últimos anos pelo francês (e em exibição permanente na casa): o Amazônico e o Arroz com Feijão.
Do primeiro, sabores como a folha de arroz com lagostim e mamão verde ralado, e o peito de pato confit com molho agridoce, vigiado pelo ‘petit gâteau’ de feijão branco com feijão preto.
Do segundo, alguns dos melhores momentos da noite como a costela de tambaqui com suco de tomilho e purê de batata baroa defumado, o pirarucu com jambu e caldo de tucupi, e a brandade de tucunaré ao leite de coco. Carinhos na boca.
Outra unanimidade na mesa, e não poderia ser diferente, foi o trio do sublime foie gras: picolé de foie gras em crosta de avelã, foie gras grelhado com biju de tapioca e chutney de goiabada cascão, e o ‘crème brûlée’ de foie gras com licor de vinho de Porto. Sem palavras.
Peixes, patos, codornas, javalis e cordeiros passearam pela mesa com desenvoltura, em cortes variados e molhos ideais, com delicados purês ou minilegumes em combinações coloridas de sabores afinados, enfileirando técnicas clássicas francesas e suculências brasileiras.
Em pausa que faz parte do programa, o chef nos levou para um tour pela enorme cozinha, suas praças, salas e câmeras frigoríficas, descanso e inspiração para a segunda parte da comilança.
Clássico
No fecho de ouro, quando os fogões começavam a improvisar e o recorde parecia inevitável, uma costela de cordeiro no próprio molho apareceu, com purê de batatas trufado. Regado pela categoria de um grande Barolo (uma das melhores experiências que se pode ter com vinho à mesa), o momento foi eleito o ponto alto da noite.
Já havíamos comido muitos pratos com várias taças (do champagne a Bordeaux e Sauternes), prestes a entregar os pontos, e cansadas papilas gustativas reviveram na combinação cordeiro-vinho. Homenagem à invencibilidade dos clássicos. Prova final de que a união de ingredientes de qualidade e requinte na execução é fator determinante para o êxtase na gastronomia.
Em cenas de garra e superação, conseguimos desferir algumas colheradas nas inúmeras sobremesas que aterrisavam diante de oito olhos incrédulos, e saímos radiantes e recordistas.
Com nove pratos para cada um e três receitas em cada prato, somadas ao menu de doces, degustamos um total de 41 receitas por cabeça, aposentando as 39 do recorde anterior.
O cardápio do Le Pré-Catelan tem como epígrafe a frase, escrita em francês: “Uma mesa deve ser feliz e fazer os outros felizes”.
O que mais podemos dizer?
Le Pré Catelan. Avenida Atlântica 4.240, Copacabana (2525-1160). Diariamente, das 19h30 às 23h30.Aceita todos os cartões.