Manu Buffara e o Ella em Nova York
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A história é de pé na terra, mão na horta e madrugada em barco de pescador. De plantio, cultivo e criação de pratos que arrebatam, não é de hoje, para muito além dos limites de Curitiba. Mas a última colheita de Manu Buffara trouxe algo inesperado e de enorme significado para a gastronomia brasileira: uma Grande Maçã. Parece até sonho, ou coisa de cinema, mas a realidade é que a chef paranaense já fechou parcerias com fazendeiros e pequenos produtores norte-americanos para plantar, literalmente, as raízes do Ella, que abre em julho no Chelsea, em Manhattan. O primeiro restaurante brasileiro ‘upscale’ de Nova York.
“Em Curitiba tenho o Manu, e agora vem o Ella. Meu nome dividido em dois restaurantes com a minha cara em países diferentes. Mas não vou aos EUA levar ingredientes do Brasil. O trabalho será focado em produtos locais americanos, mas interpretados com essência, técnica e vivência brasileiras. Sou cozinheira, mãe e mulher. A nova casa terá um perfil feminino de cozinha generosa, com pratos para compartilhar”, conta Manu.
Algas, iogurte e cogumelos:
As receitas inventivas que dão protagonismo aos vegetais, e o trabalho com comunidades de agricultores permanecerão na assinatura da cozinheira, mas a formato das degustações é novidade. Manu prevê um cardápio de 12 a 14 pratos para dividir, que serão oferecidos à escolha dos clientes: “Em mesa de quatro ou seis pessoas, por exemplo, todos poderão provar o menu inteiro”.
Encantado (na verdade, alucinado) com uma sobremesa que devorei recentemente, preparada pela chef – um bolo molhado num dashi de tucupi e alga kombu, com sorvete de iogurte e ‘bacon de coco’ -, perguntei se ela não levaria na mala pelo menos algumas garrafinhas da desejada iguaria amarela extraída da mandioca. Foi a deixa para um estudo de caso revelador de intenções.
“Estive cozinhando na Austrália e desenvolvi um caldo com a parsnip (pastinaca), uma raíz que não se encontra por aqui, porque o tucupi nada mais é do que uma raiz fermentada. Esse é o objetivo. Sabemos como é feito o tucupi? Então faremos com ingredientes locais”.
Couve flor, leite frito, maracujá, amendoim fermentado:
Rebuliço na Ilha
O menu ainda está no rascunho, mas é certo que vai reeditar pratos que fizeram barulho no Manu, restaurante de alta gastronomia que atraiu a atenção de chefs do Brasil e do mundo para Curitiba, ao abrir as portas em 2011. É o caso da Couve flor com leite frito, maracujá e creme de amendoim fermentado. Ou da Ostra com palmito, tutano e coentro. A Banana Peixe também terá vez, com a fruta verde e cozida em caldo de algas frescas e cogumelos.
O rebuliço também tomou conta de Nova York quando a notícia da abertura do restaurante vazou no site Eater, que festejou a chegada de casa brasileira à cidade sem “churrasco ou arroz com feijão”. Mensagens em inglês pipocaram no telefone da Manu, de chefs, maitres, bartenders, sommeliers e fornecedores da cidade ansiosos por notícias.
Amigos como Sean Gray, chef executivo do Momofuku Ko, estão ajudando a abrir as portas do novo mercado, e brasileiros que trabalham em estrelados nova-iorquinos enviam currículos para entrar na equipe do Ella. “A chefe do serviço de sala do Le Bernardin ligou colocando seus contatos à disposição”, diz Manu, sobre um templo da gastronomia que possui três estrelas Michelin há 14 anos em Nova York.
Conheça: Os bosques de Manu Buffara em Curitiba
Atual detentora do One To Watch Award, prêmio para as revelações que entram no radar da prestigiada lista The World’s 50 Best, Manu Buffara chega a um dos maiores centros mundiais da restauração disposta a retribuir, como ela afirma, tudo o que a gastronomia do Brasil lhe proporcionou. Vai passar de sete a dez dias por mês nos EUA, pretende formar uma equipe inteira de brasileiros e levará para o Ella seu subchef, além de um cozinheiro e o maitre do Manu.
“Quero convidar muitos chefs do Brasil para jantares a quatro mãos. Pretendo abrir para muita gente as portas que me foram abertas”.
Cordeiro, papaia e alga:
Hortas em Drinques
A aposta é alta no bar do Ella, que pretende servir drinques de destaque numa das capitais mundiais da coquetelaria. Quem está escalado para a tarefa atrás do balcão é o premiado bartender Márcio Silva, do paulistano Guilhotina. Manu e Márcio, por coincidência, se conheceram em Nova York, convocados por uma marca de cachaças para produzir um jantar harmonizado com drinques.
A parceria passou por eventos em Curitiba e está prestes a dar o grande salto. Márcio já tem um esboço da carta em que pretende traduzir em drinques a cozinha da chef – esperemos muitas hortaliças -, além de homenagear a história da coquetelaria norte-americana.
A carta de vinhos terá apenas os chamados ‘naturais’, exemplares de produção orgânica, e o restaurante acena com variada oferta de cervejas artesanais locais, além da produção própria de bebidas fermentadas como a kombucha.
A casa foi projetada para 70 pessoas e o design está nas mãos do arquiteto paulistano Márcio Kogan, que seguirá a filosofia “orgânica e de atmosfera brasileira” pedida por Manu. Por trás do empreendimento está a dupla formada pelos empresários Michael Satsky e Brian Gefter, conhecidos por clubs e casas noturnas como a Provocateur, que de Nova York chegou a São Paulo (fechada) e Porto Alegre. Foram 11 meses de conversas e negociações até o fechamento de contrato para a abertura do Ella.
Texto publicado na revista Sabor.Club
Fotos de Rubens Kato