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18 de abril de 2019

Almaviva e almas vivas no Bazzar

Que bom seria se pudéssemos, em todas as ‘quintas-feiras da lembrança’, voltar a diferentes épocas (ou safras distintas) capazes de reunir passado e futuro num presente que é dádiva e prazer. Porque grandes vinhos são atemporais, e os planetas se posicionaram em perfeita conjunção em certa quinta-feira invernal de 2018.

Almaviva (o vinho) e Bazzar (o restaurante), o que esperar de semelhante convite? Antes de falar dos ícones nas taças, protagonistas da degustação vertical em petit comité com o enólogo francês Michel Friou (foto abaixo), atento para o discreto charme de um menu bolado para sublinhar as taças. Delicioso, afinal, com a sensibilidade que podemos esperar de um restaurante com o selo de qualidade Cristiana Beltrão. Dos cogumelos com tubérculos orgânicos da estação e creme de aipim, ao bife de chorizo com palmito pupunha e alho negro.

Lançado em todos os anos – ao contrário de alguns de seus pares no Olimpo sul-americano dos vinhos – o Almaviva exige intensa dedicação de seus produtores, ao sabor das mudanças climáticas nem sempre sutis, apesar da abençoada qualidade das vinhas plantadas em 60 hectares em Puente Alto, na parte alta do vale chileno de Maipo.

Parêntese para o corte à la Bordeaux: cabernet sauvignon em predomínio, com carménère em segundo plano e toques eventuais de cabernet franc, petit verdot e merlot, com descanso de 14 a 18 meses em barricas novas de carvalho francês.

O doce (e frutado) paradoxo do mercado: é um vinho de guarda para 20 anos sem susto, e a vertical nos mostra a categoria da evolução, mas precisa estar pronto e atraente para as taças no dia do lançamento.

“Há um esforço para produzir vinhos mais elegantes. Que agradem novos e envelheçam da mesma forma. A matéria prima nos permite”, disse Michel, que vem ao Brasil todo ano apresentar a evolução do vinho.

Tive a sorte de dividir a mesa com Dionísio Chaves e Cecília Audaz, sommeliers de alta categoria, o que deixou a tarde ainda mais interessante e animadora.

“Tenho clientes que amavam a concentração nos vinhos, e hoje pedem taninos mais suaves, maior elegância e equilíbrio”, contou Cecília, sommelière do restaurante Oro.

Na Vertical 

Além do Almaviva 2016, o lançamento do almoço, o enólogo Michel levou mais quatro de seus queridos filhos: 2015, 2012 (magnum), 2010 e o bônus do 1999 (neste ele ainda não trabalhava no projeto).

O vinho de 2016 mostra como a enologia, a partir de caprichos da natureza, pode escrever belos poemas por linhas tortas, ou melhor, inesperadas. Porque choveu como nunca em abril, época da colheita, e a equipe precisou agir com rapidez na estiagem e antecipar o processo.

O vinho passou menos tempo nas barricas, e o resultado é uma das mais elogiadas safras dos últimos anos, justamente por sua elegância, com os taninos macios, frescor e equilíbrio entre as frutas vermelhas e negras, especiarias e a madeira, a tosta e o chocolate.

A safra 2015, uma feliz ocorrência para os vinhos chilenos, foi recebida com muitos sorrisos e expectativas à mesa. Era, até aquele momento, a única do Almaviva a receber 100 pontos, do crítico James Suckling. Isso porque acaba de chegar a notícia, neste momento em que escrevo, que a 2017 ganhou a mesmo pontuação.

“A fruta é a mais bonita de todas. Um vinho maduro e suculento, como gostam os consumidores brasileiros. Sem falar no perfil floral. Está tudo no lugar”, disse Dionísio, sobre o 2015.

O Almaviva 2012 não ficou atrás na avaliação geral. Fruta madura, suculência, tosta e maciez em bonita integração.

A safra 2010, por sua vez, trouxe um perfil remetendo à carménère, um pouco mais vegetal e terroso, maior lembrança de chocolate. Um vinho mais concentrado, embora sem abrir mão de fruta e frescor.

Por último, a delícia de ter à taça um vinho de 1999, colhido em outro milênio e com quase 20 anos de garrafa. Um perfil de Bordeaux clássico, ainda muito vivo e vibrante com as notas de couro e charcutaria, um gostoso defumado sobre as frutas vermelhas, com especiarias e chocolate.

Ópera Mapuche

O Almaviva é um vinho chileno de anunciada alma francesa. Uma joint venture assinada em 1997 entre o Château Mouton Rothschild e a Concha y Toro para a criação de um ícone franco-chileno. Um ‘Premier cru’ plantado em Puente Alto, no Vale de Maipo.

O nome vem do Conde Almaviva, herói de ‘O Casamento de Fígaro’, da trilogia de Beaumarchais (1732-1799), transformada em Ópera por Mozart. E o rótulo traz símbolos estilizados da civilização Mapuche. O aristocrata e o índio em abraço cordial.

Se não é o melhor vinho chileno, está com certeza entre os melhores.




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