Boca no Mundo - Pedro Landim

Treze uvas diferentes no mesmo vinho. Poderia soar como o samba do enólogo doido, não fossem todas elas permitidas na apelação de origem controlada de gigantes francês chamado Châteauneuf-du-Pape.

Além do evidente frisson causado pela expectativa de qualquer menu criado por Roland Villard, no Le Pré-Catelan, estava à mesma altura a espera por um raro tinto feito com todas as castas autorizadas pela denominação ao sul do Rhône.

Um número 13 (da sorte!) vinificado com as uvas tintas Grenache, Mourvèdre, Syrah, Cinsault, Muscardin, Counoise, Vaccarèse e Terret Noir; além das brancas Clairette, Bourboulenc, Roussanne, Picpoul e Picardan.

Para receber os vinhos maravilhosos e o produtor François Perrin, chefe da família proprietária do Château de Beaucastel desde o ano de 1909, o chef Roland aprontou das suas.

Carpaccio de vieiras com lagosta, pupunha e melancia:

Com destaque para a entrada fria que contraiu matrimônio com o vinho Château de Beaucastel Châteauneuf-du-Pape Blanc 2011. Incrível branco das uvas Roussanne, Grenache Blanc, Picardan, Clairette e Bourboulenc.

O carpaccio de vieiras e lagosta, com coulis de tomate e melancia trouxe o crustáceo repusando em palmitos desfiados e cobertos de minicubos de melancia sobre as lâminas do molusco, com gotas de molho denso de tomate rodeando o conjunto com pequenas folhas.

Prato refrescante e perfumado, de se fechar os olhos a cada garfada.

Também presente na recepção, o Famille Perrin Réserve Côtes du Rhône Blanc 2011 permaneceu na mesa.

Elegância

A festa prosseguiu no peito de codorna com foie gras grelhado e purê de batata baroa trufada, conjunto untuoso banhado em caldo escuro que, ainda assim, foi ofuscado pela estrela da noite: o Château de Beaucastel Châteauneuf-du-Pape Rouge, aquele das 13 uvas, servido nas safras 2008 e 2006.

São vinhos encorpados e complexos, daqueles que enchem a boca com elegância, frutas escuras e especiarias que vamos tentando identificar, às vezes lembrando aromas de um bosque.

Um vinho de perfeição, tão diferente dos “vinhos-ketchup” citados por François, modernos do cotidiano cheios de doçura e acidez para consumo imediato, estilos moldados pelo mercado.

Com toda a história de seus vinhedos e terrenos privilegiados, e a excelência que suas uvas atingem nos pés e garrafas, o produtor deixou bem claro que seria uma estupidez abdicar das bençãos da natureza para seguir esta ou aquela preferência do mercado consumidor.

Conexões

François é simpático, espirituoso e diz que ama o Brasil. No seu caso, com motivos a mais, já que é casado com a carioca Bebel Sued, filha do falecido colunista social Ibrahim Sued.

As garrafas da Família Perrin custam pouco mais de R$ 500 por aqui, infelizmente, algo bem acima da carteira da maioria dos enófilos brasileiros. É esse o preço das garrafas que parecem abençoadas pelos deuses.

A noite prosseguiu com carré e ombro de cordeiro assados, com ‘flan’ de feijões branco e preto e um barigoule de alcachofras, segurando bem melhor o vinho principal. A alcachofra, como se sabe , é grande inimiga dos vinhos, e o barigoule é um refogado com outros legumes e ervas que amacia seu sabor, permitindo a boa harmonização.

Cordeiro, flan de feijões e barigoule de alcachofras:

Na sobremesa, massa folhada e caramelizada ao ‘chiffon’ de baunilha, e damasco marinado em folha de laranja, com sorbet de framboesa. Nas taças, o Famille Perrin Muscat Beaumes de Venise 2010, vinho de sobremesa que não podia ser comparado, naturalmente, aos demais.

A vinícola da família Perrin faz parte da Primum Familiae Vini, organização que reúne 11 entre os principais produtores familiares do mundo, como Vega-Sicilia e Mouton Rothschild. Desde 1964, optou pela agricultura orgânica e não utiliza fertilizantes químicos ou pesticidas.

François (à direita) e Roland, antes do jantar: