O choque das garrafas
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Aproveitando o gancho da nota publicada no site do amigo Alexandre Lalas, sobre o projeto em andamento da segunda versão do ‘enofilme’ sobre o Julgamento de Paris (será que agora vai?), revisito texto que escrevi sobre Bottle Shock, o primeiro filme a respeito de um dos mais importante episódios da história recente do vinho.
O longa dirigido por Randall Miller, que estreou em 2008 no Sundance Festival e cumpriu bela temporada de público e críticas nos EUA, não agradou aos reais envolvidos na trama, pelo tom caricatural e a falta de rigor histórico.
De acordo com as últimas notícias, o empresário italiano Jonathan Rotella confirmou que financiará o novo roteiro escrito por Robert Mark Kamen (Máquina Mortífera 3) com o auxílio de três dos principais envolvidos na histórica degustação.
São eles: o inglês Steven Spurrier, organizador do evento; o jornalista norte-americano George Taber, autor do livro que dá origem a ambos os filmes; e Warren Winiarski, americano de ascendência polonesa que era o enólogo da Stag’s Leap Wine Cellar, uma das vinícolas da Califórnia que derrotaram ícones franceses.
Bomba em Bordeaux
Resumindo a ópera: em 1976, por iniciativa de um comerciante inglês, proprietário de uma loja de vinhos na França, realizou-se lá mesmo uma degustação às cegas envolvendo vinhos brancos e tintos, similares americanos e franceses.
O espírito era de confraternização e os degustadores eram todos franceses e autoridades máximas no mundo do vinho.
Pois foi como bomba atômica em Bordeaux: os californianos venceram nas duas categorias, e as formas de se beber, avaliar, comprar e vender a bebida nunca mais foram as mesmas no mundo.
Consta que Steve Spurrier, o inglês dono da loja e hoje crítico da revista Decanter, ficou danado ao assistir a Bottle Shock, e até ameaçou processar os estúdios e impedir a exibição do filme, pela forma com que foi retratado.
A famosa degustação, por exemplo, é uma cena rápida em Bottle Shock, que segue a linha de Sideways, um filme de vinho leve e feito também para aqueles que não gostam, ou nunca beberam uma taça.
Na Onda do Cabernet
O longa se passa quase inteiramente na Califórnia, a partir da relação conturbada do trabalhador obsessivo Jim (Bill Pullman), proprietário do Chateau Montelena, e seu filho Bo Barrett (Chris Pine), um surfista californiano queimador de erva dos anos 70, de cabelo parafinado e andando com seu jipe cheio de pranchas entre os vinhedos da família.
É claro que vai pintar um gata no pedaço, que antes de cair nos braços do chapadão vai transar com o enólogo descendente de mexicanos que cuida dos melhores vinhos da região, enfeitiçada após o primeiro gole num Cabernet Sauvignon produzido por ele.
A cena se passa num visual incrível, em cabana no meio das vinhas, momento em que é dita a frase de Galileu: “o vinho é a luz do sol reunida pela água”.
Não é difícil adivinhar que o conhecido final feliz para os americanos conta com a participação decisiva do filho renegado.
Afetado na América
É fácil também perceber o que desagradou Spurrier, retratado pelo ator Alan Rickman de forma caricata, atrapalhado e ligeiramente afetado, um personagem cômico e chamado no filme de “esnobe”.
Sua viagem pelas vinícolas americanas tem momentos divertidos como a cena em que um fazendeiro lhe serve um guacamole com nachos para degustar um tinto, e quando ele cheira e analisa como objeto estranho um pedaço de frango empanado do KFC.
A fotografia é ponto alto em Bottle Shock, com o visual ensolarado e árido de Napa Valley e as locações reais das vinícolas americanas. A trilha sonora passeia pelo rock, com acentos de blues e folk.
O filme não chegou às telas brasileiras, mas está no mercado em DVD, e andou passando recentemente na TV a cabo. Fita simpática e leve, para assistir com um bom pinot noir na taça.