Almaviva em nove safras – Boca no Mundo
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10 de outubro de 2013

Almaviva em nove safras

Logo após a double magnum (garrafa de três litros) de 1996 sobrevoar as taças, depois de oito safras do ícone chileno degustadas em quase cinco horas de celebração no Copacabana Palace, passei pelo nariz o melhor vinho da noite (em avaliação unânime da mesa) e viajei com meus ébrios botões: a história do Almaviva começou, na verdade, em certa tarde de 1976, após o episódio conhecido como o Julgamento de Paris.

Foi quando o Novo derrotou de forma espantosa o Velho Mundo. No caso, a Califórnia atropelou Bordeaux, na degustação às cegas que virou de ponta cabeça o mundo dos vinhos.

Analisando a superfície da taça, poderíamos resumir a posterior invasão de enólogos europeus na América Latina com a frase famosa: “se não pode vencê-los…”. Mas seria apressado.

Não estaríamos muito longe da verdade ao dizer que França e Chile são hoje os maiores símbolos, em lados opostos do oceano, de um mercado que movimenta por ano estimados 270 bilhões de dólares no mundo.

Para o Brasil, se a França é a quinta no ranking dos exportadores, o Chile é líder inabalável e responsável por mais de 40% dos vinhos que entram no País.

E o Almaviva é um vinho chileno de anunciada alma francesa. Uma joint venture assinada em 1997 entre o Château Mouton Rothschild e a Concha y Toro para a criação de um ícone franco-chileno. Um ‘Premier cru’ plantado em Puente Alto, no Vale de Maipo.

Mozart e o Selvagem

O nome vem do Conde Almaviva, herói de ‘O Casamento de Fígaro’, da trilogia de Beaumarchais (1732-1799), transformada em Ópera por Mozart. E o rótulo traz símbolos estilizados da civilização Mapuche. O aristocrata e o índio em abraço cordial. Conquistador e conquistado unindo forças. O marketing é poderoso.

Mas que tipo de líquido repousa, afinal, nas garrafas?

Se não é o melhor vinho chileno, o Almaviva é com certeza um deles, no estilo dos produzidos naquele país, marcados por fruta e potência.

De 85 hectares selecionados em terreno privilegiado, com instalações e equipe técnica dedicadas exclusivamente ao projeto, sai a uva cabernet sauvignon que será mesclada à carménère, com toques eventuais de cabernet franc e merlot, e descanso final de 16 a 18 meses em barricas novas de carvalho francês.

Sob o comando do enólogo francês Michel Friou, pai atual do Almaviva, provamos em ordem cronológica sete safras do vinho: 1998, 1999, 2001, 2005, 2007, 2009 e 2010. Mais tarde, durante o jantar, beberíamos o 2003 e o desejado 1996, a primeira safra, evoluída na citada magnum dupla.

Terremoto

De cara, chama atenção o fato de que, ao contrário de ícones de outras grandes bodegas, produzidos apenas nas melhores safras, o Almaviva sai todo ano, aconteça o que acontecer com o clima — e teve até terremoto em 2010. O percurso da vertical, por essas e outras, passa por vinhos com marcadas diferenças.

Eu dividiria as safras em dois grupos, com a fronteira situada entre 2001 e 2003. Os primeiros, a partir de 98, puxando para especiarias como pimenta do reino ao nariz, em que pese o maior envelhecimento, alcaçuz (ou licorice, conhecido de balinhas muito amargas que as cantoras adoram), um couro envelhecido sobre a fruta, evoluindo a café, talvez chocolate escuro, com boa acidez e taninos vivos.

1998 e 2010 – sutil diferença de cor em 12 anos:

No segundo grupo, as barricas novas se fazem presentes, com madeira bem integrada e um perfil mais claro de vinho do Novo Mundo, com maior potência e ataque de frutas vermelhas e escuras maduras, a uva carménère pedindo passagem: o gosto vegetal da variedade é perceptíveis com sua presença cada vez maior no corte, chegando a 29% em 2010.

Foi o ano do terremoto, que não atingiu vinhedos ou instalações do Almaviva mas esfriou o clima e diminuiu a irrigação no final do verão. O resultado, segundo a nota do produtor, tem “frescor e frutas maduras, com grande nível de acidez, elegância e pureza”.

O corte de 2010 é o que tem menor quantidade de cabernet sauvignon (61%), com aumento de carménère (29%), Cabernet Franc (9%) e a petit verdot estreando no lugar da merlot (1%), que entrou em 2007 para “dar redondeza”, segundo o enólogo Michel. Assim como a terra, o Almaviva também se movimentou.

Tirando a enorme garrafa da safra de 96 servida ao final do jantar e, portanto, em situação distinta, elegeria para a compra o vinho de 2005, sem querer mas já fazendo a média (quase aritmética) da série apresentada.

Muito bem integrado em fruta, especiarias e madeira, nariz com nota mineral, lavanda (percebi após ler a ficha técnica) e um frescor de eucalipto no final. Um vinho de taninos doces e frutas maduras, daquelas que o caldo escorre entre os dedos.

Se você tem a sorte de ter um 2005 na adega, saiba que ele está tinindo.

O Jantar

Após a degustação dirigida, Francesco Carli, chef executivo do Copacabana Palace, caprichou no serviço que trouxe dados de vermelho sobre creme de favas verdes (com o Amelia Chardonnay 2011); galinha d’angola ao molho de mirtilo, com risotinho de brócolis e bastões de cenoura na laranja (com Almaviva 2010); costeleta de cordeiro ao pistache com batata baroa ao tomilho e purê de abobrinha (com Almaviva 2003 Magnum).

Antes da sobremesa, um contestado prato de queijos para o Almaviva 1996 Double Magnum. Um vinho, este sim, com a cara de Bordeaux, desenvolvido e complexo, com aquela ‘estrebaria’ característica, vívido em acidez, frescor e, como disse o amigo Silvestre Tavares, “cremoso”.

Detalhe: tem 13,5% de álcool, contra 14,5% das safras recentes.

Estas, por sinal, seriam melhor aproveitadas ao lado dos queijos fortes do que o 1996. Confesso que não entendi o enredo desse samba.

Para fechar, enquanto o quarteto no palco tocava Tom Jobim, o garçon veio com duas bebidas em belas garrafas, que seriam dois licores da Mouton Rothschild, um de cassis e outro anunciado por ele como sendo de seriguela.

E Bordeaux virou sertão (às vezes, parece mais fácil achar um esquimó no Rio de Janeiro do que um garçon bem informado). Era um delicioso brandy, destilado de ‘prunes’ (ameixas), que envolveu com chave de ouro a boca.

Preço do Prazer

O projeto Almaviva não economiza, e planeja investimentos acima de US$ 2 milhões anuais para os próximos cinco anos. Nas duas noites de comemoração das 15 safras, em São Paulo e no Rio, foram investidos cerca de US$ 300 mil.

Segundo a empresa, a distribuição do vinho na América Latina corresponde a 17% das vendas anuais, e o Brasil é considerado o mercado mais importante da região. A Ásia representa 50% das exportações, com 18% à Europa e 15% para os EUA.

São cerca de 150 mil garrafas produzidas por ano, e as 15 safras obtiveram pontuação superior a 90 pontos de Robert Parker, e da Wine Spectator. A revista deu 96 à de 2009.

Uma garrafa custa por volta de R$ 550 em boas lojas brasileiras do ramo.

Sedução

Na volta para casa, as frutas sobraram na lembrança. Framboesa, cassis, mirtilo, quem sabe até morango em calda feita com pouco açúcar, apenas a fruta derretendo em fogo lento.

É um vinho fácil de beber, encorpado e sedutor. Feito para agradar do novato ao veterano, a gregos e troianos. Com destaque para um povo dos trópicos que atualmente viaja como nunca, e representa um dos mercados com maior potencial de crescimento para o vinho no planeta.

Quem conta é o enólogo Michel Friou: “Creio que 90% do Almaviva vendido no Chile são para brasileiros que nos visitam”.




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