A festa das leveduras – Boca no Mundo
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12 de março de 2013

A festa das leveduras

Foi uma a festa das leveduras, pequenas deusas invisíveis que produzem milagres como vinho e cerveja, as mais antigas bebidas, presentes na alma das civilizações. E uma noite de estouros, com a conversa pontuada por rolhas se libertando na entrada.

Na sede da Sociedade Brasileira dos Amigos do Vinho (Sbav-Rio), mesma casa onde funciona o bar BeerJack, em Botafogo, brindamos com vinhos espumantes e cervejas produzidos pelo mesmo método ‘champenoise’.

Reflexões na língua entre o ácido das uvas e o amargo do lúpulo, e o nariz viajando entre os aromas da fermentação.

Como bem colocou o enófilo e filósofo Jose Paulo Schiffini, apresentador dos vinhos, nosso olfato, em geral, foi abafado vida afora por sentidos como visão e audição. E temos, portanto, a missão de batalhar pela volta do cheiro como fator de reconhecimento do mundo. Comida e bebida são, naturalmente, grandes aliadas.

Que Nem Jiló

No campo das cervejas foi Salo Maldonado, sócio do BeerJack e produtor artesanal do líquido sagrado, que ministrou pequena aula seguindo perguntas dos degustadores.

Conhecemos personagens importantes da trama cervejeira como o IBU (International Biterness Unit), índice que mede o amargor fundamental na bebida em questão.

O tipo Skol dos botecos, por exemplo – que deve, penso, ser abandonado o quanto antes por quem gosta de algum desafio ao paladar -, fica ali pelos 8 IBU, enquanto uma Indian Pale Ale (IPA) costuma ultrapassar os 60.

É por isso que outro dia reclamaram para mim do querido jiló e retruquei: já bebeu cerveja boa?

No bate-papo, soube também que o lúpulo é uma planta trepadeira e prima do cânhamo, mas o melhor da conversa foi o momento silencioso de cada gole.

Caves

Como aos vinhos espumantes estamos todos mais acostumados, são em geral mais baratos e comuns do que as cervejas belgas produzidas seguindo os passos do champagne, foram estas que causaram sensação e curiosidade.

São cervejas que, após a primeira fermentação, e maturação em torno de dois meses nas cervejarias, voam para a região de Champagne, na França, onde são engarrafadas para fermentar de novo, processo idêntico ao da fabricação do vinho nobre, com o giro das garrafas e a ‘degola’ nas caves para a retirada dos sedimentos, e meses descansando nas caves.

Não se trata apenas de uma brincadeira para vender cerveja cara em lindas garrafas com rolhas que saltam, mas de um tipo especial e delicado de cerveja, de bolhas finas e persistentes, como as das boas champagnes, e alta complexidade aromática. Pelo tipo de fermentação, são bebidas que evoluem na garrafa.

A Infinium foi minha preferida, uma cerveja com ‘perlage’ fina e cremosa, aromas de frutas cítricas, algo da casaca da laranja, um picante no final e longa persistência na boca, característica em que as cervejas superaram os espumantes. Foi apensa uma tacinha, mas beberia sorrindo a garrafa inteira.

Com 10,5% de graduação, a Infinium é um projeto que une cervejarias de dois ‘mundos’: a americana Samuel Adams e a alemã Weihenstephan, a mais antiga em atividade contínua, fundada no ano de 1040. No marketing, somando a idade das cervejarias, “um milênio de experiência com a inovação americana”. Custa em torno de R$ 160.

Aberta em seguida, a mítica Deus me pareceu naquele momento claramente inferior. Pioneira no método champenoise, maturando por um ano em caves francesas e com 11,5% de graduação, é produzida pela conceituada cervejaria belga Bosteels (de 1791), fabricante de rótulos como a deliciosa Tripel Karmeliet.

É uma cerveja frutada e com aromas de ervas que trouxe maior (e menos agradável) sensação de doçura, além das curiosas notas, sempre sugeridas, de manjericão. Sai por cerca de R$ 160.

Por último, e confirmando as claras diferenças entre as três apresentadas, a Malheur Cuveé Royale me surpreendeu no primeiro gole, complexa, também frutada mas com aromas mais severos, uma nota levando para região de terra, como em certos vinhos envelhecidos. O álcool me pareceu também um pouco mais presente. Sai por volta de R$ 150.

Os três espumantes apresentados foram o nacional Cave Geisse Nature (próximo dos R$ 60), a espanhola Cava Cristalino Brut, famosa pela relação preço-qualidade (cerca de R$ 40), e a champagne Pommery (coisa de R$ 200), que fecharia a prova com chave de ouro se as garrafas não apresentassem pequeno defeito de oxidação, acidentes acontecem.

Sendo assim, as cervejas venceram em sabor e aroma, perdendo no quesito preço.

Sensações

Sobre o processo de degustação de vinhos e outras bebidas, e as notas dadas pelos especialistas e guias, sempre reguladoras do mercado, ficam as palavras da cartilha de Jose Paulo Schiffini:

“Devemos entender que tais notas não são propriedades nem atributos que pertencem àquelas bebidas, são apenas notas, ou graduações para o relacionamento que tais pessoas tiveram ao experimentarem, ao degustarem com atenção e método tais bebidas. Por isso, nunca existirá consenso ou unanimidade ao apresentarmos qualquer bebida”.

E conclui, afirmando que avaliar uma bebida é responder a duas perguntas básicas:

Você gostou da bebida? Você compraria a mesma?

A resposta da primeira pergunta, segundo o mestre, mexe com o prazer. A da segunda mexe com motivação e desejo.

“Ambas as sensações se formam em partes distintas do nosso cérebro”, diz Schiffini.




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