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21 de julho de 2018

Year Three: Sorriso Negro no Centro

Cerveja com passagem por madeira? Precisamos tê-la, tendo assim como sabê-la. Vale para quem bebe e para quem produz. Se durante boa parte dos três milênios do contato entre madeira e cerveja (fermentação, guarda e transporte) a questão central era como evitar o perecimento da bebida – isolada outrora em barricas revestidas de breu -, no panorama renovado deste século 21 estima-se que há no universo da cerveja o mesmo número de barris presentes no apogeu da Idade Média.

Um retorno triunfal após algumas décadas de completo divórcio, com enorme diferença: se quase todas as barricas existiam para o transporte em séculos passados, hoje são exclusivamente destinados ao borogodó sensorial. Ao acréscimo de aromas, sabores e texturas.

Dados recentes da Brewers Association (BA) informam que 85% de todos os cervejeiros associados nos EUA, no ano de 2015, já haviam utilizado a madeira de alguma forma em suas cervejas.

Year Three

Mas o fato é que eu tinha acabado de traçar uma formosa empada de palmito no Café Gaúcho, a caminho dos deveres na Rua do Ouvidor. Sol de inverno na cara e frenesi do almoço no Centro, cambei para a São José e dei a meia trava no Menezes Cortes para beber um negócio na Perua da Cerveja.

O camarada e sommelier Gil Lebre não estava no recinto para a resenha, mas a torneira falou bonito. Pois como veludo descia na pressão a negra retinta Year Three, lançamento recente da cervejaria Oceânica. Uma Russian Imperial Stout maturada em barris de carvalho por onde o whisky passou na encarnação anterior.

Bebida em copo plástico de 300ml, veio bem gelada e passou pelo ritual salutar em cervejas do estilo: dois goles e cinco minutos para a temperatura começar a subir, dando tempo à criança para que revele seus encantos.

Nariz a postos para caramelo, café intenso, baunilha, chocolate escuro e a presença do whisky e seu tom sutil de defumação, o amargor de gente grande é equilibrado no dulçor expressivo. Corpo alto e de cremosa sensação, amparada nos 8,3% de teor alcoólico, a Year Three abre-se com o tempo em notas amadeiradas e reforça o sabor do destilado escocês, terminando em chocolate amargo e aquecimento (de whisky) na goela.

Achei nova filha da Oceânica muito gostosa e bem equacionada em seus altos volumes. Desci pela escada rolante um pouco mais alegre do que na subida, parece que uma Russian Imperial Stout antes do almoço deixa a gente pensando diferente.

Rainha do Excesso

O estilo inglês citado, para quem não conhece, abraça as rainhas entre as escuras. Conta a história, eram cervejas robustas e alcoólicas exportadas pela Inglaterra para a Rússia do século 18. Daí o nome: Russian Imperial Stout, abreviado como RIS. Quem ganhou fama de cair dentro foi a Imperatriz Catarina, a Grande. A nobre dama, como se sabe, era chegada a um furdunço.

Cultuadas no cenário das artesanais do século 21, são pretas que impressionam ao primeiro gole e costumam arrancar as notas mais altas quando concorrendo com outros estilos, em concursos do gênero. É difícil ficar indiferente ao corpo robusto e licoroso, aos sabores de caramelo, chocolate escuro e café, com prováveis notas de frutas negras e secas, ameixas e passas, e ingredientes distintos que o pessoal adiciona à vontade. O teor de álcool, segundo o guia de estilos da Brewers Association, deve variar entre 7% e 12%.

Garrafa de Sobremesa

Na mesa, as RIS podem até dispensar a sobremesa, porque costumam ser a própria. Acompanhadas de doçuras após a refeição, porém, podem gerar casamentos marcantes. Para a Year Three, por exemplo, penso numa clássica musse de chocolate com alto teor de cacau. Quem sabe, em homenagem à Mme Paret, apenas uma bola de um bom sorvete de coco – a cerveja fazendo o papel da calda. Morangos maduros com creme? Vai longe a diversão.

A oferta de RIS nacionais é ampla, geral e irrestrita em prateleiras cariocas e brasileiras. Pergunte ao vendedor, ou sommelier de cervejas mais próximo. Já cantava a imensa Dona Ivone, com a licença para o trocadilho: “Um sorriso negro, um abraço negro, traz felicidade…”




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